Lembram da Ellen Gomes, autora da página Filhas do Corvo? Hoje, vamos ver mais um texto dela!

Você sabe quais cuidados tomar e no que ficar atento se quiser fazer parte de um grupo, ordem ou tradição? Assim como existem locais e pessoas maravilhosas em meios espirituais, também existe muita gente desonesta e até mesmo perigosa por aí. Então, os cuidados aqui listados podem ser aplicados em qualquer vertente esotérica, abarcando como identificar técnicas de manipulação e controle que podem ser usados para além do disfarce do discurso espiritual. Bora lá?

 

1 – Love Bombing inicial

Também conhecido como bombardeio amoroso, em tradução livre, o love bombing é quando alguém, ou um grupo de pessoas, demonstram afeto e admiração excessivos por um alvo no início de uma relação. É uma tática comum utilizada por narcisistas e cultos para que aquele que está na mira do bombardeio se sinta bem-vindo, amado, valorizado e seguro. É aquela pessoa que parece perfeita demais quando a conhecemos e aquele grupo em que todo mundo nos adora quando entramos nele.

O objetivo do love bombing é criar confiança e subordinação. Ele te faz acreditar que você finalmente encontrou o seu lugar, onde você é acolhido e nutrido, sem que você possa ver nenhum defeito nas pessoas ou na organização ao seu redor. Assim, ele cria três efeitos principais que são a cegueira (”eu conheço fulano, ele nunca faria tal coisa/falaria tal coisa/agiria de tal jeito…”), a obrigação em retribuir (”poxa, ficaria super chato se eu não fizesse tal coisa pelo fulano, afinal, ele me trata tão bem e já fez x e y por mim…”) e a dependência emocional.
O love bombing termina assim que você não é mais uma novidade ou assim que sentirem que você já está completamente envolvido. A partir de então o afeto começará a ser cada vez mais controlado e circunstancial. Inconscientemente, você começará a atender as demandas do indivíduo ou do grupo para voltar a ter aquele nível inicial de amor e carinho, nunca o conseguindo por completo e ficando vulnerável a outras táticas de manipulação.

2 – Dissimulação

Por definição, dissimular é fingir ou disfarçar reais intenções e propósitos. Sujeitos ou organizações abusivas nunca contarão exatamente o que querem. Se você encontrar qualquer pessoa, coven ou grupo que nunca conta exatamente quais são suas origens, nunca dizem claramente o que praticam e no que realmente acreditam, fique de olho. É claro que muitas coisas, quando se trata de conhecimento oculto, só são passadas aos poucos e para aqueles que estão dentro do treinamento interno de determinadas ordens e tradições. Mas se você olhar para um grupo e não der para saber quem são seus líderes, de onde eles vieram, qual vertente seguem, o que praticam e nem o que acreditam alguma coisa está profundamente errada ali.

Grupos abusivos sabem que se você tivesse boas informações sobre eles você nunca se aproximaria, então tudo é feito com muita cautela e com muito sigilo. Isso vale em especial para grupos, dentro de algumas vertentes da Mão Esquerda e do paganismo nórdico, que escondem que são, na verdade, alinhados ao neofascismo ou ao neonazismo. Eles precisam ir te condicionando aos poucos. Aumentando o seu nível de tolerância a ideias extremistas lentamente. Geralmente enquanto também usam táticas de love bombing. Ninguém é radicalizado da noite para o dia. A dissimulação é um pré-requisito essencial do controle emocional e mental.

3 – Exclusivismo

Se alguém chegar em você e te vender a ideia de que ”só aqui você terá o único caminho”, desconfie. Existem muitos grupos e organizações que dirão que só eles tem a verdade, só eles levam ao verdadeiro caminho e a verdadeira iluminação. Nesta linha de pensamento fica implícito a postura de nós versus eles, que já foi citada aqui, no artigo sobre como identificar discurso fascista em meios de Mão Esquerda. Qualquer pessoa, grupo ou local que quiser te alienar usará o esquema nós versus eles para distorcer sua percepção de mundo. E nisso entramos também no próximo item.

4- Controle de informação

É através das informações que possuímos e que são disponibilizadas para nós que tanto a nossa percepção de mundo quanto a nossa opinião sobre os mais diversos tópicos é construída. Controlar informação, por isso, é uma das formas mais fáceis e eficientes de controlar pessoas. Em dinâmicas de controle em cultos qualquer informação vinda do exterior e que possa ir contra o que é passado internamente é considerada como má. Dentro do controle mental não pode existir nada que quebre a visão central que é passada e reforçada, então podar ou cercear opiniões ou fontes de informação externa e dissonantes são comuns.

5 – Comunicação triangular

Incluso no controle e na manipulação de informação existe a comunicação triangular, ou triangulação narcisista. Enquanto o controle de informação por si só muitas vezes tem o seu maior foco em controlar o que vem de fora, a triangulação manipula geralmente de forma mais interna.

Nela temos a criação de uma falsa percepção entre as pessoas de um mesmo grupo com o objetivo de as dividir ou de fazê-las estar umas contra as outras. Ela é geralmente feita por um único manipulador, mas em determinados grupos figuras de liderança unidas podem usar essa tática para enfraquecer as relações de confiança entre as pessoas, tornando assim todo o grupo dependente apenas deles. Esses líderes irão espalhar boatos e mentiras entre as pessoas de forma que elas desconfiem umas das outras, se reportando apenas a eles e não conversando entre si.

Desta forma, com os participantes do grupo isolados uns dos outros, se torna mais fácil abusar de cada indivíduo separadamente. Afinal, se as pessoas não conversam entre si, é improvável que conectem pontos, entendam o que realmente está acontecendo, desmascarem mentiras e denunciem os abusadores. Um grupo desunido é muito mais fácil de explorar do que um grupo unido. A triangulação também é usada para desviar focos de tensão para outros lugares em momentos de crise, criar novos conflitos que tirem a atenção de um problema original e esconder culpados com a eleição de bodes expiatórios, utilizando aqui novamente a abordagem do nós versus eles.

6 – Controle de relações pessoais

Enquanto a triangulação controla e manipula as relações internas de um grupo, o controle de relações externas também é encontrado em diversos tipos de culto. Se você está com alguém, ou em algum grupo, que aos poucos vai minando seu contato com pessoas externas, tome muito cuidado. Te isolar e fazer com que sua rede de apoio conte apenas com uma única figura ou com o grupo em questão te coloca em uma posição vulnerável. Principalmente se, aos poucos, forem te passando a ideia de esquecer a pessoa que você foi antes para se tornar uma nova pessoa dentro do grupo.

7- Intimidação

Preste atenção se, dentro de um grupo ou perto de alguma pessoa, existe a sensação de temor contra consequências ou conflitos caso algo seja questionado. Caso você seja isolado, ridicularizado, pressionado ou acusado por fazer perguntas ou se opor a algo você está sendo intimidado a se submeter.

8- Estruturas de delação

Dentro de cultos é comum que se as pessoas sejam encorajadas a vigiar umas as outras. Assim, caso algum comportamento de resistência seja identificado, os próprios integrantes do grupo denunciarão uns aos outros para as lideranças, geralmente de forma confidencial. Isto cria um sentimento constante de medo que inibe qualquer pensamento dissonante e triangula as relações, fazendo com que toda informação e poder se concentre nos poucos indivíduos que de fato controlam o grupo.

9 – Controle do tempo

Muitas técnicas de controle mental incluem manter seus alvos ocupados de tal forma que não possam perceber ou questionar o ambiente ao seu redor. Se você ficar perdido demais em reuniões e atividades até se sentir exausto, sem conseguir pensar ou analisar nada, cuidado. Se você sempre tem que pular de atividade em atividade, sempre com algum drama novo para distrair seu foco, nunca conseguindo falar direito com outras pessoas, ou mesmo com os líderes, porque ninguém nunca tem tempo, você está em uma dinâmica de controle de tempo. Você ficará correndo em círculos e mais círculos até conseguir se afastar do grupo, onde perceberá o contraste claro entre a vida normal e a dinâmica do grupo, que parecerá ter se passado em uma completa outra realidade, destacada do tempo e do espaço.

10 – Linguagem com excesso de jargões

Cultos e grupos extremistas geralmente tem suas próprias linguagens, com palavras chave e jargões que só são compreendidos plenamente por seus integrantes. Isso evita que ”ouvidos comuns” entendam o que realmente está sendo dito e produz uma sensação de seletividade e exclusividade entre seus participantes. Através deste controle da linguagem também é possível ameaçar indivíduos de forma sutil, onde o ameaçado saberá o que está acontecendo, mas as pessoas ao redor não.

Aqui entra a política de dog whistle, ou apitos de cachorro, muito usados pela extrema direita, onde determinadas palavras e signos visuais são usados como forma de intimidar grupos específicos sem que as pessoas que não fazem parte daqueles grupos entendam o que realmente está acontecendo. E caso alguém do grupo afetado tente denunciar, ou reaja contra, possa se dizer que aquela pessoa está ”vendo coisas onde não existe” ou ”fazendo caso”. É uma forma velada de intimidação e coação psicológica.

11 – Criação de inimigos em comum

Nunca é demais alertar contra a tática do nós versus eles. Cultos geralmente elegem inimigos para unir as pessoas contra um alvo em comum. Isso pode ser feito para distorcer a percepção de seus integrantes contra pessoas externas, que seriam colocadas como o outro, mas também para criar um novo ponto de foco durante uma crise e para criar bodes expiatórios que sejam acusados no lugar dos verdadeiros abusadores.

Cuidado com aquele grupo, ou coven, cujos líderes dizem, a cada problema interno que surge, que o grupo está sob o ataque espiritual de uma figura externa. O hábito de constantemente jogar o peso da culpa em um alvo externo a cada adversidade indica que o foco está sendo desviado do real problema. Não entre na narrativa de guerras mágicas ou espirituais entre grupos e indivíduos. Sempre investigue quais agendas e interesses individuais estão sendo servidos ou beneficiados através do incentivo ao conflito e a paranoia.
12- Líderes que enfatizam demais que ”nunca fariam isso”

Com extrema frequência as pessoas que mais insistem que nunca teriam uma determinada atitude são aquelas que com mais assiduidade a praticam. Fique atento quando alguém, ou alguma figura de liderança em um grupo, repete um pouco demais que nunca faria uma determinada coisa ou teria um determinado comportamento que é claramente errado. Se a pessoa se defende em excesso de um crime não cometido pode se tratar de uma atitude compensatória para algo em que ela na verdade possui culpa. Ouça cada ”mas eu nunca te trairia/te manipularia” como uma abertura para aquela possibilidade.

13 – Autoengano

Acreditar que só pessoas ignorantes ou fracas psicologicamente poderiam ser vítimas de manipulações, relacionamentos abusivos e cultos beneficia apenas abusadores. Apesar dos estereótipos que temos sobre o assunto, narcisistas e manipuladores estudam muito bem as pessoas com as quais entram em contato e fazem seu trabalho de maneira lenta e cuidadosa, de forma que nunca se levantem suspeitas. Quando você notar, já estará envolvido demais. E a própria vergonha que socialmente se imputa a vítimas de abuso muitas vezes impede que essas vítimas consigam assumir para si mesmas o que está acontecendo, dificultando tanto suas recuperações quanto a denúncia de seus abusadores.
Controle e manipulações psicológicas são crimes silenciosos que florescem pela crença social de que o culpado é quem sofreu o abuso, não o abusador em si. Antes de dizer que ”isso nunca aconteceria comigo” e que ”apenas um idiota cairia nisso” saiba que nenhuma situação começa pelo seu extremo e que todos nós, começando por um discurso inicialmente amoroso e razoável, podemos nos enganar. Afinal, a pessoa mais fácil de se manipular é aquela se julga imune ao tema.

E agora?

Se você é um iniciante, não tenha pressa para encontrar um grupo. Procure estudar por conta própria antes. Com cuidado, com calma. Pesquise a história das principais ordens e organizações, com seus líderes e principais figuras, antes de pensar em qualquer tipo de afiliação. Visite seus sites e canais de comunicação, fique de olho em seus materiais e leia os livros lançados por seus integrantes antes de se aproximar para ter uma ideia do que você poderá encontrar.

Vá em reuniões abertas como um observador. Escute muito mais do que fale. Se eduque em como reconhecer ideologias extremistas, táticas de manipulação e dog whistles em discursos e textos. Fique atento a transparência e a idoneidade daqueles que se apresentarem a você. Quanto mais conhecimento prévio você tiver, menos vulnerável você será.

Vale também ressaltar que nenhuma ordem responsável admite menores de idade em seu corpo de integrantes por questões obvias de segurança. Se você ainda é muito jovem, seu maior compromisso deve ser com a sua educação e desenvolvimentos pessoais. Isso te dará mais base e consciência sobre o que procurar, se você o quiser, futuramente. Mas saiba que, por motivos legais, nenhuma ordem deve te admitir até que você seja no mínimo civicamente responsável por si próprio.

As mesmas recomendações valem para Sacerdotes que atuam por conta própria. Desconfie, se você for menor de idade, de quaisquer Sacerdotes que se aproximem de você com muitas promessas e muito interesse. Propostas para que você ceda fotos do seu corpo devem ser descartadas, assim como iniciações que contenham quaisquer atos sexuais. Trabalhos espirituais que prometam grande fama, fortuna e amor imediatos por altas quantias de dinheiro são estelionato. E se você receber qualquer tentativa de assédio, assim como intimidações com base em trabalhos destrutivos, denuncie a polícia. A ameaça supersticiosa se enquadra no artigo 147 do nosso Código Penal como crime, podendo incluir ainda outros artigos se esta for meio para realização de constrangimento ilegal, roubo, extorsão ou estupro.

Outro ponto importante de se observar, principalmente em redes sociais, são as figuras que vivem com base em criar drama e conflito constantes com outros. Muitos Sacerdotes, bruxos e magos diversos surgem e se mantém em relevância dependendo dos conflitos que eles criam com outras pessoas. Se você vir algum drama entre grandes perfis nas redes sociais repare sempre se uma das partes, ou ambas, estão no momento vendendo cursos. Ou se são pessoas que andavam meio esquecidas e agora, por causa da briga, estão voltando a ter algum destaque. Não é incomum inimizades se criarem só por ibope ou para a divulgação do curso caro de alguém depois. Seja seletivo com o conteúdo que você consome e com quais figurinhas você segue. Nunca coloque ninguém em um pedestal!

Até mais!

 

Autor: Ellen Gomes 
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